“...Nem todo errante é sem propósito,especialmente aquele que busca a verdadealém da tradição, além da definição, além da imagem.”O filme “O Sorriso de Monalisa” apresenta-nos uma jovem professora de História da Arte, recém formada, idealista, profundamente engajada na causa da Arte e da emancipação das mulheres, questões essas consideradas muito avançadas em 1953. Ao chegar à escola, a professora enfrenta alunas “brilhantes”, que sabem muito do que está nos livros (apostilas), mas que pouco pensam sobre o que estão repetindo mecanicamente. O confronto é inevitável: de um lado a escola tradicional, que representa a sociedade da época, que não quer mudanças, que não quer perder o controle sobre suas alunas, jovens “casadoiras”, que estudam não como forma de ascensão social, cultural ou profissional, mas “apenas” como ilustração para a vida de casada.
Não há como separar o contexto histórico-social da análise pedagógica do filme. O fazer pedagógico da personagem está intrinsecamente unido com o seu fazer político-socio-cultural. Há na escola/sociedade da época uma evidente rotulação de tudo que é “certo” e do que não é. Ao questionar a forma como suas alunas entendem a arte, a professora também está questionando a forma como essas alunas estão entendendo e construindo as suas próprias vidas. Frases como “Não há resposta errada nem livro ensinando o que é”, “O que é arte? O que faz dela boa ou ruim? Quem decide?”, “Olhem além da pintura”, “abram a mente para uma nova concepção” são emblemáticas e demonstram o quanto a professora está engajada em uma mudança de paradigmas, uma mudança de mentalidades.
Ao apresentar novos artistas, representantes de uma arte de vanguarda, revolucionária e questionadora e suas obras (“A carcaça” de Soutine, “Les demoiselles d'Avignon” de Picasso, “Doze girassóis em uma jarra” de Van Gogh, “Greyed Rainbow” de Pollock) a professora tenta levar suas jovens alunas a verem além, a fugirem do convencional, do que lhes é dado como arte, a fazerem suas próprias escolhas, não apenas das obras, mas de suas próprias vidas. Na visita a uma galeria-depósito (?), ela leva suas alunas para apreciarem um Pollock e diz “Façam um favor a vocês, parem de falar e olhem. Vocês não precisam gostar, apenas apreciem.” Ao falar de Picasso ela diz “Picasso pintava o que sentia e não o que via, sem camuflagem, sem romantismo.” Novamente ao falar de arte, ela fala da sociedade, dos costumes, das regras, das aparências. É o mote para reflexão pessoal, para a construção do seu próprio saber.
Outra passagem do filme digna de nota é o momento em que a professora leva para aula slides de comerciais em que as mulheres são apresentadas como “rainhas do lar”, cumprindo “o papel que nasceram para desempenhar”. É o início do que chamamos de sociedade do consumo, do ideal do ter ao invés de ser. Mulheres que estudaram, formaram-se com louvor, “os cérebros femininos mais inteligentes do país”, com um futuro brilhante pela frente se acomodando e aceitando viver menos do que merecem, menos do que podem, se contentando em ficar o resto das vidas cuidando de casas, lavando, passando, cuidando de bebês... É incrível pensar que o filme retrata a sociedade de 1953, mas que hoje ainda vemos algumas pessoas, homens e mulheres, com essa mesma mentalidade.
No meu singelo ponto de vista, a escola tradicional do filme vence a batalha. Faz uma lista de exigências para a professora que despersonaliza completamente o trabalho dela: apostila padrão, planos de aula pré-vistoriados para aprovação, nada de “conselhos” às alunas, relacionamento apenas profissional com todos os membros da instituição, nada de arte moderna (considerada muito perigosa por fazer refletir). Não há clima para que ela continue, não há porque continuar... Ela desiste, vai para Europa, seguir seu caminho, mas não sei deixar algumas seguidoras, não sem deixar pequenas sementes, jovens que passaram a ver o mundo de uma outra maneira, que foram irremediavelmente contagiadas pelas ideias da professora, idéias de autonomia, de construção de identidade, de personalidade. Para o bem ou para o mal, temos esse poder, temos essa responsabilidade: tudo o que dizemos e/ou fazemos pode influenciar nossos alunos.