O filme “Nascido em Bordéis”, diferentemente dos demais assistidos (“Leões e Cordeiros”, “O Sorriso de Monalisa” e “Entre os muros da Escola”) é um documentário. O que por si só já nos traz uma estética e uma concepção completamente diferentes.
Ao acompanhar uma fotógrafa-professora-artista, Zana Briski, em sua incursão pelo Distrito da Luz Vermelha, em Calcutá, na Índia, o documentário mostra-nos a difícil vida de meninos e meninas, filhos de prostitutas, para poderem sobreviver em um meio hostil e sonhar com uma vida um pouco melhor. Trata-se de crianças que estão à margem da sociedade indiana, tão festejada como rica em tecnologia da informação e, na realidade, tão pobre socialmente. Sujeira, caos, burocracia, drogas, preconceito, tudo conspira para que essas crianças, em situação de risco, continuem vivendo em condições sub-humanas.
Zana, que a princípio buscava apenas registrar imagens do distrito, acaba se envolvendo de forma irremediável com o grupo de crianças que ela ensina a fotografar. Nas palavras da fotógrafa, “ensinando a verem o mundo com outros olhos”, proporcionando que aquelas crianças desenvolvam uma sensibilidade para encarar os desafios do mundo que as cerca, a serem produtores de algo, a registrarem seu cotidiano, e consequentemente a pensarem sobre seu mundo, sua vida, seus problemas, a vislumbrarem outras possibilidades. É um resgate da auto-estima que Zana está propondo, é uma tomada das rédeas das suas vidas através desse processo de aprendizado de fotografia, mas, principalmente, um aprendizado da vida. É a busca de uma auto-consciência através da arte, da sensibilidade do olhar.
Os depoimentos das crianças sobre os processos de captação de imagens, sobre os conceitos de belo e do gosto, sobre as técnicas de composição e edição de imagens são bem significativos. Vemos crianças, que apesar de bem jovens em idade, são bastante maduras, que desenvolvem um olhar estético-crítico sobre o que estão produzindo, sobre o como estão produzindo suas fotos, sobre a reação das pessoas retratadas por eles.
Diferente do que poderia se esperar de um choque cultural tão violento, não há um julgamento moral, há apenas uma constatação da miséria e a busca incessante de Zana por escolas para colocar as crianças. É comovente a luta da fotógrafa por essa causa. Uma luta solitária, de formiguinha, que produz pequenos, porém, importantes resultados.
Uma luta que nos faz pensar no nosso papel como professores e cidadãos. Faz pensar em quanto mais se conseguiria se não nos acomodássemos nas nossas vidinhas confortáveis e procurássemos ajudar mais e reclamar menos. É difícil e duramente verdadeiro. Pouco estamos fazendo no nosso dia-a-dia que cause um efeito modificador de vidas tão grande quanto o que a fotógrafa fez. Cumprimos nosso papel, algumas vezes burocraticamente, outras vezes de forma mais comprometida, mas não vamos muito além dos muros da escola.
Já falei em outros fóruns sobre isso, porém, aqui se faz necessário repetir: o que de concreto estamos fazendo pela sociedade que vivemos? Como poderemos usar o ensino de artes como forma de transformação da sociedade? Queremos essa mudança? Estamos dispostos a abrir mão de pequenos luxos para que todos tenham o minimamente necessário a sua sobrevivência? Do que estamos dispostos a abrir mão para que isso aconteça? Difícil de responder... Podemos ao menos começar a pensar no assunto. E penso que esse filme serviu para isso: pensarmos no assunto, pois o Distrito da Luz Vermelha em Calcutá não é assim tão diferente de algumas regiões da periferia de nossa amada capital.
Nenhum comentário:
Postar um comentário